quinta-feira, agosto 23, 2007

A falta de um pai

Imagem pescada daqui

Finalmente alguma coisa acontece nas minhas férias. Eu explico: férias no Alentejo ainda podem dar o privilégio de se passarem dias sem nada acontecer. Eis o motivo por que não me importo nem um pouco de vir para cá resguardar-me, quando estou em férias. O mais que me tinha acontecido até agora foi ver o Belmiro passar por mim na Comporta, uma herdade que cada vez mais excede os seus limites e já vai construindo estradas no Carvalhal, para estragar o Verão dos pobres, lançando para ali os seus tentáculos. Pouco mais tempo e aquilo ali tudo vai virar estância de férias para gente endinheirada. Ao Belmiro Patinhas já lhe cheirou a nota ali para aquelas bandas e foi lá poisar.

Mas afinal que me aconteceu hoje que justifique estar para aqui a divagar? Entre um passeio maravilhoso de carro pelo Alentejo e de uma tarde tão maravilhosa na beira de uma barragem onde se estava melhor do que na praia nos últimos dias ventosos deste verão primaveril, a incursão ao Fluviário de Mora veio causar-me o maior espanto. Anunciava-se um desconto de 1 euro por cada elemento caso se tratasse de uma família, mas afinal descobri que uma família não é uma família, porque nós éramos uma família e não tivemos direito ao desconto. Publicidade enganosa, concluí. Não, estava tudo bem explicado, até na Internet – era mesmo preconceito declarado. Eu explico: na sua extraordinária modernidade, este projecto apoiado por fundos da UE, o Fluviário, só se reconhece como “família” um pai, uma mãe e as suas crias. Porque se for duas cunhadas e os quatro primos, já não é considerado família. Houve mesmo quem levantasse a questão de que aquela poderia ser uma família moderna, dessas com duas mães e os respectivos filhos, e daí? e que aquela regra era muito preconceituosa. Então e se fosse uma mãe só com os filhos e o marido estivesse ausente? Testámos as várias possibilidades… Também não dava!
Pagámos sem desconto mas no fim deixámos escrita a sugestão de que o conceito de família que eles ali têm deve ser no mínimo repensado.

Gostei de ir ao Fluviário mas não fiquei boquiaberta como os peixes que vi por lá. Piranhas, já tinha visto pelas praias, lontras também não eram novidade e mesmo a Anaconda estava ali nitidamente em minoria. Lamentei não ter visto nenhuma perereca, mas certamente me cruzarei ainda com outras. Na verdade gostei mais de mergulhar no rio cá de fora que até me chegou a recordar o meu ideal de praia: uma praia com relva até à beira do mar e só aí com areia branca e águas cristalinas. Faltava ali o mar, as ondas, o sal, a renovação das águas e a limpidez. Águas demasiado paradas mas dando para nadar tranquilamente; desvantagem: a água barrenta não deixa ver o fundo, o que ali até é preferível. Mas a ideia de estar no meio do verde da vegetação agradou-me como me agrada comer só salada de vez em quando. Senti-me ali como um peixe fora do Fluviário, nadando livremente apesar do cardume de gente. Foi um dia de férias.

Depois veio o momento do regresso, o cansaço meditativo e a lembrança que não se apaga nunca. Não há um só dia em que não me lembre do meu pai. Inacreditável: faz hoje três meses que deixei de o ver. Tanta saudade. A isto sim é que eu chamo a falta de um pai!

9 comentários:

  1. Este texto do Kaos...
    ...A água barrenta não deixa ver o fundo, o que ali até é preferível.
    ...uma praia com relva até à beira do mar e só aí com areia branca e águas cristalinas...

    sem comentários
    bem haja
    Urra! Urra!

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  2. Olá, Kaotica, quem me dera que ja estivessemos no dia 31 de agosto... era mm mt bom :) Pinto da Costa sai bastante favorecido como mulher ;)

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  3. Lendo outravez o texto, afinal é um grande pincel.

    Saudações

    uGH

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  4. Os primeiros parágrafos do texto, contados com tanta sensibilidade e humor não foram suficientes para me segurarem as lágrimas da dor no último. Para mim vão-se completar 16 anos daqui a um mês! 16 anos a vê-lo apenas pela fotografia ao lado do monitor do meu pc e parece que consigo ainda sentir-lhe o cheiro . É estranho... A saudade não aumentou mas também não diminuiu. Em verdade nem consigo dizer se houve algum dia em que não me tenha lembrado dele, com certeza que tem que ter havido, já foram muitos dias!!! A saudade pode ser sempre a mesma, mas a falta que ele faz, essa aumenta cada dia.

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  5. Pois concerteza!
    O conceito de família aplicado é o único e verdadeiro.
    Duas mães?
    Já agora dois pais!
    E famílias monoparentais, não?
    E o que andam a fazer duas mulheres, sem homem, pelos campos alentejanos?
    Cambada de comunas, e maricas!
    O Beto João, da Madeira, é que vos topa!

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  6. vou comentar apenas a parte da descriminação.
    O ano passado na feira do ano de Montemor o Velho, e que está já aí à porta, os bilhetes para entrar também ficariam mais baratos se comprados por casal, como não se explicitava que casal é que consideravam, comprei um bilhete de casal para o caso de 2 mulheres, não me criam deixar entrar a mim e à minha compincha, reclamei, argumentei com a descriminação e o direito das minorias e lá me deixaram entrar.
    O que irá acontecer este ano?

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  7. a minha compincha era a minha mãe!
    lol

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  8. Convém esclarecer, que reclamei, não pelo valor do desconto, que era irrelevante, mas porque já não se pode aceitar que um casal tenha que ser forçosamente um homem e uma mulher. Em que século estamos, afinal?

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  9. Ontem acabei por não contar o resto da história porque já não me lembrava muito bem, tive que ir confirmar com a minha compincha, então é assim, no dia a seguir à reclamação, a palavra "casal" foi riscada das bilheteiras e o bilhete passou a ter um preço único por pessoa. Coincidências!

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