segunda-feira, outubro 11, 2010

Crizeplim


De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Com os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir

Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo - Mudei de idéia
- Quando vi nesta cidade
- Tanto horror e iniqüidade
- Resolvi tudo explodir
- Mas posso evitar o drama
- Se aquela formosa dama
- Esta noite me servir

Essa dama era Geni
Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro
Acontece que a donzela
- e isso era segredo dela
Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão

Vai com ele, vai Geni
Vai com ele, vai Geni
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni

Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir

Joga pedra na Geni
Joga bosta na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Geni e o Zepelim (Chico Buarque)

PS: As minhas desculpas à Geni pela comparação com este canastrão, mas apeteceu-me

8 comentários:

  1. Farto de Pulhas11/10/10 00:48

    Adoro essa canção. Da última vez que a ouvi é que reparei na qualidade e mensagem da letra. Parabéns pela divulgação.

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  3. Tenho muita música de Chico Buarque
    já o vi no Coliseu no Porto mas não conhecia esta!
    Simplesmente excepcional a sua mensagem!

    Zé de Aveiro

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  4. Zé de Aveiro
    Esta musica já é bem velhinha e faz parte da "Opera do malandro". Só a ouvi tocada ao vivo uma vez numa Festa do Avante ainda no Alto da Ajuda.
    um abraço

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  5. Grande música! Obrigado.

    A propósito de toda esta comoção sobre a vinda do FMI sem haver alguém que o receba condignamente, pois que em 1975, se o FMI quisesse vir a Portugal teria certamente uma recepção e peras...

    O Silva Lopes, que na altura era o governador do Banco de Portugal, conta que foi ele que teve que ir à Suíça, falar com os gajos porque Portugal precisava de um empréstimo e eles estavam muito renitentes. Disse-lhes que era melhor emprestarem, porque em Portugal havia lá uns tipos loucos que nunca se sabe o que poderiam fazer se o caos financeiro se abatesse sobre o país. O dinheiro acabou por aparecer, como é óbvio.

    Uns anos mais tarde, em 1983, o Mário Soares pelo PS e o Mota Pinto pelo PSD, coligados em bloco central, meteram cá o FMI. Em 1985 aparece o PRD, o PS leva a maior derrota de todos os tempos e o PSD ganha com apenas 29%. Com o país quase ingovernável, o FMI teve que se retirar e mandou Bruxelas comprar-nos, mandando ao Cavaco uma orgia de dinheiros europeus (a fundo perdido).

    Como se vê pela nossa história recente, não é a baixarmos as calças ao FMI e aos cartéis financeiros que melhor nos defendemos como nação. Estes comentadores políticos, a começar pelo Prof. Marcelo, não dizem coisa com coisa. É só começar a confusão, que aparece logo todo o dinheiro que for preciso (e mais algum). O que era preciso era por no governo o Bloco de Esquerda e o PCP. Isso sim, punha-os logo em sentido! Mas, para isso, é preciso que a malta não vote sempre nos mesmos...

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  6. A "Opera do Malandro" já me disse algo mas de facto não me lembrava. Obrigado pela informação.

    Cumprimentos

    Zé de Aveiro

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