terça-feira, março 21, 2006

Arrumações ...

Adaptado de "Poleiro" de Paula Rego - 1997

Sócrates entrou no seu gabinete com o objectivo de encontrar na sua gaveta um aspergic. Abriu-a a salta-lhe o volume grosso intitulado “Socialismo” que Mário Soares um dia pusera na gaveta. Sempre aquele calhamaço a entupir a gaveta. Tinha que se livrar dele, quem sabe lhe passasse a terrível dor de cabeça que o acometia. Saiu do gabinete com o pesado volume debaixo do braço, endireitando a gravata. “If you want to act like a lider, pull yourself together in any situation”, lembrava. Quase esbarrou com a Isabel Pires de Lima. Desculpa, Isabel e tal e ela ai o que é que leva aí? Ó Isabel o que é que quere, se fosse a senhora onde é que o arrumava? Eu sei lá, agora não tenho tempo, tenho convites para ir ao cinema. Ponha-o num sítio onde não o incomode mais, pronto, sei lá.
Tinha-se esquecido da gabardina e a chover! Voltou ao gabinete e teve uma tontura que o fez sentar-se um pouco. Olhou aturdido à sua volta e deu de caras com o retrato do António Costa na parede. Ó António diz-me lá o que é que hei-de fazer a isto? Do quadro soou a voz do ministro É-me completamente indiferente. É-me i-n-d-i-f-e-r-e-n-t-e! Sócrates volta-se então para a outra parede E tu, António Correia de Campos que se há-de fazer a isto? Ó Sócrates, eu agora estou mais interessado em lhes tratar da saúde. Fechar maternidades, fechar centros médicos, fechar urgências, fechar, fechar, fechar! Olha, fecha-o num sítio qualquer que não te incomode mais, deita-o fora.
Vendo que a sua dor de cabeça só piorava, pegou na gabardina e no “Socialismo” e saiu determinado a só parar em casa. Ó coiso, apetecia-me algo…, sim pode ser um Ferrero Rocher.
Já em casa voltou a sentir o peso do grosso volume na mão direita. Pelo menos tirei-o do gabinete, nunca mais tornará a cair-me da maldita gaveta. E agora, José?
Com uma brilhante iluminação lembrou-se do sótão. Subiu a escada e abriu a porta. Um odor um tanto bafiento soltou-se lá de dentro. Ali estavam as pilhas de Tintins e os discos velhos de vinil. Afastou uns quantos para arrumar o “Socialismo” na prateleira de trás. Um deles caiu-lhe ao chão “Mudam-se os tempos, Mudam-se as vontades”, José Mário Branco. O que fazia ali aquele disco? Ah, devia ser algum José Mário Branco a armar em Camões. Tinha mesmo que fazer ali uma limpeza. Pelo menos para já livrara-se daquele peso, ufa!

4 comentários:

  1. Já pensaste em ir escrever para as "Produções Fictícias"???

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  2. Gosto mais de escrever para este clube privado. Sempre vai aparecendo por aqui gente como tu.

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  3. O Socrates nunca foi nem será socialista. Basta ver as suas origens politicas na juventude do PSD

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  4. Há muito que o PS mandou com o socialismo para o lixo. Se é que, depois do 25 de Abril, o foi alguma vez

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