Quem julgou estar a ver uma reportagem da Sic Notícias colhida in loco no calor das circunstâncias do momento agitado que então se vivia no referido bairro da lata pode desenganar-se. Quem ainda acredita em reportagens espontâneas feitas por jornalistas isentos que entrevistam ao acaso agentes que casualmente se encontram nos locais onde a notícia é gerada não está a ver bem o filme. É que na verdade a notícia já não é uma mera notícia, mas sim um guião bem construído; a reportagem já não é uma reportagem mas sim um filme bem estruturado; os intervenientes já não são cidadãos anónimos que reportam a quente os acontecimentos mas sim actores contratados, com o seu papel bem decorado e a sua imagem bem encenada. Foi a ideia que nos deu: as reportagens dos media são hoje em dia encenações captadas junto de entidades que por sua vez também tiveram o cuidado de encenar muito bem o seu papel junto dos media. Não acreditamos em coincidências. Não acreditamos nestas reportagens. Não acreditamos nos media, nem nos intervenientes que escolhem para entrevistar. Já durante a campanha eleitoral das presidenciais foi a vergonha que foi. Os jornalistas filmavam as partes finais dos comícios de Cavaco Silva, quando ele já se calara, e ficava aquela ideia do aplauso e da apoteose dos apoiantes em histeria. Já quando filmavam os outros candidatos era raro o comício ou a arruada em que por coincidência não encontravam um apoiante de Cavaco para entrevistarem, que ali estava por acaso.
O que é grave é darmo-nos conta que não há isenção jornalística, que hoje, e cada vez mais, a realidade é construída, filtrada pela forma como são criteriosamente fabricadas as notícias. E pelos vistos já não são só os jornalistas a entrar neste jogo virtual de transformação da realidade. As próprias instituições já escolhem os seus porta-vozes para estar no sítio certo, no momento certo a dar a resposta certa e, ainda por cima a vender uma imagem renovada e moderna das instituições, uma imagem de marketing televisivo, em que cada reportagem tem os seus relações públicas para defender publicamente a imagem que querem dar da realidade. Com isto fazem com que, aos olhos dos mais atentos, a informação mereça o mais total descrédito.
Só a desmontagem das suas estratégias descaradas pode fazer algum sentido, ter para nós algum valor informativo. Hoje em dia torna-se um imperativo desmontar cada notícia, ver a intencionalidade por detrás de cada palavra reportada, de cada imagem captada. O subjectivismo jornalístico, outrora condenável, parece ser hoje em dia apanágio dos estagiários que minam o jornalismo privatizado e tendencioso que temos. O perigo para os menos avisados, para aqueles que acreditam cegamente na informação que lhes é ministrada, é não se darem conta que a História possa estar a ser forjada a partir do presente, que a História já não é mais um devir mas sim uma construção artificial, que vai sendo dia a dia artificiosamente urdida pelos media.